Se soubermos olhar em profundidade, além da superfície das coisas, veremos um mundo regido por leis diferentes das que vigoram em nosso mundo. Trata-se de substituir o espírito de egoísmo e de separatismo vigente, por um espírito de união com Deus e de colaboração com o próximo. Trata-se de nos colocarmos num estado de aceitação perante a Lei de Deus.  Surge agora a pergunta: como é possível chegar a compreender esta vontade de Deus a que devemos obedecer?  Deus está presente, não há dúvida, mas não podemos percebê-Lo em forma material, na superfície das coisas, com os nossos sentidos. Deus está presente, mas na profundeza de tudo o que existe.  Há então dois caminhos para percebê-Lo: ou o da introspecção, olhando e penetrando dentro de nós por intermédio da meditação ou concentração, ou olhando os efeitos que, da profundidade onde está Deus, vêm até à superfície, revelando assim a natureza das coisas que os geram e movimentam. Pode-se assim chegar a compreender o pensamento de Deus, pelo menos no que diz respeito à nossa vida, quer afinando os sentidos no caminho da espiritualização, quer, para os que não conseguem olhar para dentro, olhando para fora, ou seja, observando o que vai acontecendo conosco e ao redor de nós.

A nossa vida e o nosso destino não se desenrolam ao acaso, mas são dirigidos por Deus. Então, se os acontecimentos podem, até certo ponto, ser o efeito da nossa vontade, em grande parte exprimem também a vontade de Deus. As duas vontades se misturam, colaborando quando concordam, e em luta uma contra a outra quando são discrepantes. No primeiro caso, dizem a mesma coisa, e então é fácil conhecer a vontade de Deus. No segundo caso, dizem duas coisas diferentes. Mas, quando tivermos separado desse conjunto o que é efeito da nossa vontade, restará aquilo que nos vai revelar qual é a vontade de Deus a nosso respeito. Se observarmos a nossa vida, veremos que há fatos sobre os quais podemos exercer a nossa livre-escolha à vontade. Mas, veremos também que existem outros fatos acima da nossa vontade; são acontecimentos em relação aos quais não há escapatórias. Há uma parte da nossa vida regida como que por um destino, com características quase de fatalidade; há uma outra vontade, maior do que a nossa, à qual, queiramos ou não, temos de obedecer.  Em geral, esta é a conseqüência fatal do que livremente semeamos em nosso passado; fatal, não por um princípio de fatalismo que nos faria autômatos irresponsáveis, mas como efeito exato da nossa livre-vontade e do que ela quis realizar no terreno das causas, para que, conforme a Lei, tivesse de atuar no terreno dos efeitos. Aqui termina o domínio da nossa livre-escolha e vigora, em seu pleno poder, a Lei, que exige sempre obediência. Entramos aqui no domínio do destino, e vemos a maneira pela qual o construimos para nós mesmos.  Os inteligentes procuram conhecer a Lei nos seus princípios gerais e a Vontade de Deus no caso particular das suas vidas. Aceitando o que eles sabem que é justo, evitam atritos, choques, revoltas que geram a dor. Os que não possuem esta inteligência e boa vontade, os que estão ainda mergulhados na ignorância  e na revolta, ao invés de aceitar, rebelam-se, aumentando assim as suas faltas, piorando a sua posição, amontoando novas dívidas por cima das antigas.

Queiramos ou não, nos fatos concernentes a nós, a nossa vontade e a Vontade de Deus trabalham juntas. Não que a boa vontade do homem tenha de colaborar, mas porque Deus permite que trabalhe também a nossa vontade, para a qual estabelece limites, efeitos e direção final. Podemos assim calcular quantas forças atuam entrelaçadas, a todo momento, em cada ato da nossa vida. Antes de tudo, está presente a nossa vontade passada, agora na forma dos seus efeitos que aparecem como fatais. Acima desses impulsos sobrepõe-se e opera a nossa vontade atual que tem o poder de corrigir, nos seus efeitos, aquela nossa vontade passada, iniciando novos caminhos ou endireitando os antigos.

Do livro “A Lei de Deus” , capítulo 04