Observemos um caso particular de consciência e do comportamento que deve seguir o indivíduo espiritualmente mais sensível que a média, ligado a uma religião mais de substância que de forma, porém ainda enquadrado, na prática, dentro das normas impostas pela forma mental das massas. Há na sociedade indivíduos profundamente espiritualizados que, por isso, custam a entrar na corrente em que se encontra a maioria. Muitas vezes é a força do número que estabelece a lei e a verdade. Quando o erro é da maioria, não é julgado erro, mas verdade; e quando a verdade é de uma minoria, não é julgada verdade, mas erro. Parece que a verdade, quando não está imbuída de alguma força para fazer-se valer, perde o valor e se reduz a uma afirmação teórica que não se pode realizar. Retirai de qualquer doutrina a força que lhe confere o número de seguidores e ela ficará uma idéia desvalida e só, que pode ser mais bela e perfeita, mas não é levada em consideração.
Que deve, pois, fazer o indivíduo em minoria? Ele pode escolher um entre vários caminhos existentes, e adaptar-se às preferencias da maioria; mas isso representa para ele uma religião de forma, escassa em substância. Adaptar-se e aceitar tal mentalidade significaria renunciar à vida espiritual vivida em profundidade, isto é, mutilar-se nas regiões mais altas do seu ser. Isto, para quem é espiritualizado, é a mais penosa e também danosa das experiências, a do retrocesso involutivo que o leva a viver num nível espiritual mais baixo. O indivíduo mais evoluído tem um outro conceito de Deus, de Quem as massas fizeram uma representação para seu uso e consumo, reduzida às dimensões do que podem conceber. O homem mediano concebe um Deus antropomórfico, feito à sua imagem e semelhança. Ora, uma redução em tão estreitos limites é inaceitável para quem pensa mais profundamente. O homem mais evoluído concebe Deus como pensamento sábio que funciona em cada forma e fenômeno, em toda parte e sempre presente, a Quem é preciso prestar contas em cada movimento. Tal pensamento a todos regula através de uma Lei estabelecida com exatidão, e que não se pode violar sem pagar as conseqüências. Trata-se de conceitos positivos, racional e experimentalmente controláveis, de que a ciência pode apoderar-se para construir uma nova religião, baseada na lógica dos fatos, portanto universal.
Quando uma religião impõe o conceito de um Deus exclusivamente pessoal e transcendente, o evoluído espiritualizado, embora desejando obedecer, pode dizer a si mesmo – “eu não posso aceitar porque os fatos me falam da imanência de Deus em todo o universo. É verdade que Ele é o centro do universo, por isso pode ser entendido também de forma pessoal, o que não me impede de ver que Ele é também periférico, isto é, presente em tudo que existe. Concebendo-o assim, sinto a Sua presença e não posso negá-la para admitir um Deus imensamente distante, que se ausenta da sua criação, isolando-Se na Sua transcendência. Compreender e viver tudo isso é fundamental para o homem espiritual, mas pouco interessa às massas. Não se trata de abstrações teológicas, mas do modo de conceber a vida e de realizá-la diferentemente da maioria, com resultados diversos, aos quais – quem os conhece – não pode renunciar.
Do livro ” Técnica Funcional da Lei de Deus” cap 02