De fato, a nova ciência destruiu a concepção materialista da matéria, que desintegrou, desmaterializando-a em energia. Hoje está acontecendo isto: a ciência está constrangida pelos fatos, que não pode negar, a abstrair-se cada vez mais da materialidade sensória para chegar a entender a matéria como uma realidade imaterial, e a explicar a substância das coisas com um conceito que cada vez mais se aproxima e tende a coincidir com aquele imponderável inteligente, que no passado foi chamado espírito.

Deus existe. Uma prova poderia ser a que nos é oferecida pelo materialismo ateu que O nega. Assim como a sombra implica a presença da luz, também a negação pressupõe a existência do que se nega. Só se pode afirmar a não-existência daquilo que sabemos que existe. De outra maneira, de que se afirmaria a não-existência? Do nada? Mas o nada já não existe por si próprio e para que ele não exista, não é necessário afirmar a sua não-existência. Nada se pode dizer do que não conhecemos, porque não existe. Como se pode afirmar que não existe o que não sabemos o que é? E se não sabemos o que é o nada, é porque ele não existe. Como se pode afirmar a sua não-existência, quando ninguém sabe da sua existência? Portanto, se negamos uma coisa, é porque ela existe. A negação de Deus prova a Sua existência.

Na economia da vida, o materialismo ateu não foi um meio para chegar à negação de Deus, mas só para destruir a velha idéia que Dele o homem fazia nas religiões, e com isso atingir outra nova, mais evoluída, completa, convincente. Tal processo se está ainda realizando.

No caso do materialismo ateu essa negação não representa, porém, a negação de Deus no que Ele é — porque para o homem isto está além do seu conhecimento e porque, no absoluto Deus está acima de toda a nossa negação ou afirmação —; mas é uma negação somente do que o homem, num dado momento histórico, pensa que Deus seja, isto é, da representação que ele naquele tempo faz de Deus, conforme o grau de evolução atingido. Assim, por exemplo, um materialista entre os selvagens seria quem nega a existência do Deus do feiticeiro, representado por um boneco com a cara e as qualidades do selvagem.

Há, então, dois pontos bem diferentes e distintos: o que é Deus em Si mesmo, no absoluto, acima da compreensão humana; e o que é Deus como idéia concebida pelo homem no seu relativo, a imagem que ele faz de Deus conforme os seus poderes de representação. O primeiro caso foge-nos completamente, porque está além do nosso conhecimento. O segundo caso representa tudo o que conseguimos saber de Deus, isto é, uma representação a nós relativa, mas progressiva em função do grau de evolução por nós atingido.

As duas concepções estão em luta, como sempre acontece entre o que está morrendo e o que nasce no seu lugar. A primeira está fixada nas religiões e na respectiva forma mental, filha do passado menos evoluído. A segunda e representada pelos espíritos mais amadurecidos, que se rebelam contra o passado, antecipam a nova maneira de conceber Deus e as relações do homem com Ele.

Que negou, então, o materialismo da ciência? Negou somente a única coisa que ele podia negar, isto é, o que o homem conhecia: o conceito relativo vigorante nas religiões, no período histórico em que o materialismo apareceu. Mas pelo próprio fato de que aquele conceito é relativo e em evolução, e de que hoje a humanidade entrou numa fase mais adiantada de amadurecimento mental, pelo qual se concebe tudo, e também Deus, com outra forma psicológica e pontos de referência diferentes, eis que o velho materialismo ateu acabou por se encontrar perante uma outra idéia de Deus, não mais aquela que ele estava negando. Com a evolução, que tudo arrasta no seu caminho, esta idéia se havia transformado, devido a um amadurecimento evolutivo geral, do qual a própria ciência materialista, como também a sua negação do velho conceito de Deus, faz parte.

Disto se segue que o clássico materialismo ateu não representa, hoje, senão uma negação da velha concepção de Deus sustentada pelas religiões, enquanto a própria ciência acabou desembocando numa mais adiantada concepção de um Deus que ela não pode mais negar, mas, pelo contrário, tem que aceitar, porque explica e funde em unidade os parciais resultados daquela ciência, a eles dando um sentido orgânico e telefinalista, sem o qual tudo fica abandonado na desordem do acaso e no mistério de tantos problemas ainda não resolvidos.

Do livro “Princípios de Uma Nova Ética” , capítulo 1